A (geo)politização da Covid-19

Tanto regimes autoritários como democráticos falham ou têm sucesso. Não é empiricamente correto estabelecer uma relação de causa-efeito entre regime político e a eficácia da resposta.

Um assunto que deveria ser objeto de cooperação internacional tornou-se numa arma de arremesso política. A luta pela (des)informação está encarniçada. Depois de desvalorizar inicialmente o problema, o presidente Trump veio falar do “vírus chinês”.

Em resposta, Zhao Lijian, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, colocou a hipótese de terem sido os soldados americanos que participaram num exercício militar em Wuhan, o local onde foram registados os primeiros infetados, os responsáveis pela epidemia. Zhao citou Robert Redfield, diretor do Centro de Controlo e Prevenção de doenças dos EUA, que admitiu terem sido diagnosticados postumamente casos de coronavírus nos EUA, antes de terem sido identificados em Wuhan. Procuraremos desconstruir algumas das “explicações” que têm surgido sobre o tema.

Lê-se com frequência que os estados autocráticos têm mais sucesso no controlo da epidemia do que as democracias. Um estudo recente concluiu que os melhores resultados se obtêm em estados mais capacitados, independentemente do regime político, para além de respostas oportunas e de lideranças proativas. Tanto regimes autoritários como democráticos falham ou têm sucesso. Não é empiricamente correto estabelecer uma relação de causa-efeito entre regime político e a eficácia da resposta.

Há quem afirme que a pandemia é uma estratégia sediciosa da China. O país onde nasceu o vírus (e que o encobriu por várias semanas, permitindo que se espalhasse pelo mundo) está agora na linha da frente tentando salvar a humanidade. É verdade que as autoridades chinesas não detetaram imediatamente o vírus. Daí a dizer que o encobriram deliberadamente para que se espalhasse pelo mundo vai uma grande distância.

A ser verdadeira esta tese, pela sua gravidade, teria de ser imediatamente considerada pela Administração americana. Aproxima-se de um ato de guerra biológica, que tem de ser discutido no Conselho de Segurança da ONU. Não há outra forma de lidar com o assunto. Tanto quanto sei o tema não foi ainda incluído na agenda do Conselho

Outros colocam a discussão no plano geostratégico. É a grande oportunidade para a China liderar o sistema internacional. É excessivo afirmar que a pandemia vai produzir no curto e médio prazo alterações na correlação de forças internacionais. Os europeus não vão trocar a aliança com os EUA por um alinhamento político com a China, ou com a Rússia.

A diferença de poder entre os EUA e a China ainda é imensa. Isso mesmo foi reconhecido publicamente pelo presidente Xi Jinping, aconselhando realismo e parcimónia nos excessos de confiança dos seus concidadãos sobre o poder do país. Os dirigentes chineses não andam distraídos e sabem com quem se metem.

Quem se arrisca a ser um grande perdedor é o presidente Trump. O efeito da pandemia vai ser demolidor nas suas pretensões à reeleição. Os seus opositores não lhe perdoarão a negligência com que enfrentou o problema. Wall Street afundou-se e a economia americana está em declínio. A ausência de um serviço nacional de saúde encarregar-se-á do resto.

Ninguém tem a ganhar em promover e acicatar discussões estéreis sem fundamento, que não levam a nenhum lado. O que o mundo necessita é de atuar rapidamente e em união de esforços para encontrar soluções. Essa é a narrativa que deve prevalecer.

 

Carlos Branco, Major-general, investigador do IPRI-Nova e membro do Clube de Lisboa 

Artigo publicado originalmente no Jornal Económico, 27.03.2020

Imagem: O metro de Nova Iorque durante a pandemia provocada pelo COVID-19, 20 de março de 2020. UN Photo / Evan Schneider