Há umas boas dezenas de anos, o antigo chefe da diplomacia francesa, Hubert Védrine, crismou o nome de “hiperpotência” para qualificar o então quase inédito poder dos Estados Unidos à escala global. A América, em termos relativos, já não reina como reinou, muito embora não seja muito evidente que, num futuro imediato, essa sua preeminência (e também a sua proeminência) venha a ser posta em causa de forma significativa, seja no plano económico, seja a nível militar.
É essa nova América que agora passa a ser dirigida por alguém que acumula em si um conjunto de poderes que o podem qualificar, sem o menor exagero, como um “hiperpresidente”. Trump consegue, no termo desta Eleição Presidencial, alguns registos que, somados, o convertem num centro de poder muito raro.
Trump ganha esta eleição com o voto popular maioritário, o que lhe confere uma forte legitimidade democrática. No Congresso, as duas câmaras têm as cores republicanas como predominantes. No Supremo Tribunal, os juízes conservadores são em maioria, desequilíbrio que o futuro pode vir a agravar. Uma maioria de Estados americanos são dirigidos por governadores republicanos. Melhor era impossível.
Se um poder desta natureza já seria preocupante se concentrado num presidente “normal”, o facto de isso ocorrer com uma figura com o recorte político de Donald Trump torna as coisas muito diferentes. E, sejamos claros: para pior.
Trump não é, à evidência, um presidente “normal”. Aparentemente, talvez seja precisamente esse o seu carisma, para mais de metade de uma América que se lhe entregou nas urnas. Todos fomos testemunhas dos quatro anos de Trump na Casa Branca, todos assistimos ao patético assalto ao Capitólio, que vimos que ele estimulou - um gravíssimo atentado à Constituição que agora tem todas as condições para vir a absolver. Como, seguramente, se perdoará a si próprio de um conjunto de acusações que, em outras geografias políticas, o teriam há muito tornado inelegível. E o mais que aí virá.
É esse hiperpresidente que a América agora tem. É esse o homem com que o Mundo vai ter de lidar. A expectativa que rodeou esta eleição mostrou bem o quando esse Mundo depende da América. Mas não é muito claro se já percebeu bem a dimensão potencial do que por aí pode vir. Com a angústia, muito evidente, de pouco poder fazer para controlar o seu próprio futuro.
Francisco Seixas da Costa, Embaixador, Presidente do Clube de Lisboa
Artigo originalmente publicado no Diário de Notícias, 7 de novembro de 2024.
Imagem: Unsplash, Kenny Eliason.