O Relatório Draghi constitui um documento de reflexão sobre a Europa de hoje e o futuro que se pretende para a Europa de amanhã.
Começa por um bom diagnóstico da situação de partida, concentrando-se, de seguida, no objectivo de redução do gap na inovação e no crescimento em relação aos EUA e à China, num Plano Conjunto para a Descarbonização e para a Competitividade, na indispensabilidade de se aumentar a segurança e reduzir dependências, na questão crucial do financiamento do investimento na Europa e no reforço da Governança Europeia.
O diagnóstico da situação de partida permite ao sobredito Relatório estabelecer três grandes objectivos gerais e quatro objectivos complementares.
Os três grandes objectivos gerais são a necessidade de incentivar o crescimento e a inovação na Europa, a diminuição dos preços da energia e a captura de novas oportunidades de descarbonização e o reforço da segurança (com redução das dependências).
Os quatro objectivos complementares (que decorrem dos três primeiros) consistem na implementação total do mercado único, na definição de políticas industriais, comerciais e de promoção orientadas por sectores, no acréscimo do investimento na Europa e na necessidade de reformar a governança europeia.
No capítulo atinente à redução do gap no crescimento e na inovação, o Relatório Draghi refere oportunidades a explorar na indústria farmacêutica, na área da energia e na indústria da Defesa, bem como a importância da “ robótica autónoma” na Europa, a integração vertical da IA - Inteligência Artificial na indústria automóvel europeia, a ausência de instituições académicas de excelência da craveira das existentes nos EUA e no Reino Unido, a necessidade de ultrapassar as fraquezas na R&D e a imperiosidade de redução das desigualdades nas aptidões.
No capítulo terceiro, fala-se de um Plano Conjunto para a descarbonização e a competitividade. Mais, refere-se que os objectivos de descarbonização da UE são mais ambiciosos do que os dos seus competidores, implicando custos a curto prazo para a indústria europeia. Todavia, a descarbonização oferece oportunidades para a Europa no domínio da redução dos preços da energia, permitindo que a UE venha a assumir a liderança das “tecnologias limpas”, as quais se apresentam mais “seguras”.
Por outro lado, sendo a UE o principal importador de gás natural, não utiliza o seu poder negocial enquanto adquirente desta matéria-prima, salientando-se a necessidade de criação de uma verdadeira União Energética.
O quarto capítulo é dedicado à necessidade de se aumentar a Segurança e de se reduzir a Dependência.
A Europa precisa, nomeadamente, de uma Plataforma de Aquisição de Matérias-Primas Críticas e de passar a produzir semi-condutores, desenvolvendo, simultaneamente, a indústria de Defesa.
A Europa tem de optar por uma gestão integrada de equipamentos que permita adoptar uma Estratégia de Defesa Europeia e um Programa de Defesa Industrial Europeu.
O quinto capítulo aflora a necessidade de a Europa avançar para um investimento anual da ordem dos 750-800 biliões de euros, correspondentemente a 4,4-4,7% do PIB agregado, em 2023.
Para tal, seria preciso pensar-se na criação de uma União de Mercados de Capitais (suportada pela ESMA(1)), bem como em instrumentos de mutualização da dívida europeia.
No sexto capítulo, o Relatório Draghi dá um particular significado ao reforço da Governança Europeia, referindo a necessidade de ultrapassagem dos bloqueios resultantes de múltiplos vetos e de processos legislativos lentos. Tal poderá significar o alargamento das áreas em que será possível decidir de acordo com o mecanismo de “qualified majority voting”, em vez de se adoptar o princípio da unanimidade.
Em síntese, embora não o diga expressamente, o Relatório Draghi aponta para um reforço do eixo federalista europeu, o que, em boa verdade, terá de passar por um Orçamento da UE mais forte, por uma maior utilização de mecanismos de mutualização da dívida europeia, pela criação de uma Direcção-Geral do Tesouro da Europa, por um Ministério das Finanças Europeu, por um Mecanismo mais ágil de apoio ao Financiamento de Economias Fragilizadas e pela aceitação do princípio da compra de dívida pública dos Estados-membros, em determinadas circunstâncias, no mercado primário “à la Roubini”.
Trata-se, enfim, de um importante salto qualitativo para a Europa, do qual dependerá a sua sobrevivência.
Nem mais, nem menos…
(1)European Securities and Markets Authority
António Rebelo de Sousa, Economista e Professor Universitário, membro do Clube de Lisboa.
Artigo originalmente publicado no Diário de Notícias, em 9 de novembro de 2024.
Imagem: Unplash, Bernd Klutsch, 2019