As bombas de uns e de outros

Os americanos justificam as bombas em Hiroxima e Nagasáqui em 1945 com a determinação do Japão em jamais se render. Se os soldados imperais tinham lutado tanto por cada milímetro de ilhotas no Pacífico, como combateriam eles se houvesse um desembarque no Japão propriamente dito, numa das quatro grandes ilhas do arquipélago, era a interrogação. Já os soviéticos, que espiaram ao máximo os americanos, testaram a sua primeira bomba em 1949, com o objetivo  de porem fim ao monopólio atómico/nuclear pelos americanos. Depois, ao longo da Guerra Fria, tanto americanos como soviéticos, à medida que iam acumulando ogivas, explicavam que assim acontecia a dissuasão mútua e se evitava uma guerra quente global. Houve quem falasse de equilíbrio do terror.

Os britânicos, bem recordados de quando estiveram sozinhos contra uma Alemanha Nazi que também procurava ter a bomba, fizeram questão de ter arsenal próprio, conseguido a partir de 1952, embora agradecendo o apoio americano na Segunda Guerra Mundial. E os franceses, que tal como os britânicos viram de repente o império desaparecer, fizeram igualmente questão de ter armas nucleares, testando-as em 1960, espécie de derradeiro sinónimo de poder do país num mundo que já não era o mesmo.

Os chineses, conscientes do complicado ambiente internacional e de que o comunismo não ocultaria para sempre a rivalidade histórica com os soviéticos/russos, também se armaram, à cautela. E com o teste de 1964, fecharam o clube das potências oficiais, que se mantém até hoje e coincide com os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, com a Rússia a herdar o arsenal soviético.

Os israelitas, conscientes da hostilidade em seu redor, procuraram a bomba, e conseguiram-na ainda nos anos 1960, como revelou uma famosa reportagem num jornal inglês em 1986, mesmo que insistam em não admitir, apesar de ocasionais deslizes verbais, até de um primeiro-ministro. 

Já os indianos, depois de um primeiro teste em 1974, envolveram-se com os paquistaneses num pingue-pongue de ensaios em 1998, que confirmou a existência de duas potências nucleares na Ásia do Sul. Depois de três guerras em menos de 25 anos, a verdade é que não voltaram ao confronto aberto e os líderes reclamam discretamente que a velha teoria da dissuasão também funciona a nível regional.

Os últimos a juntar-se ao clube nuclear, mesmo que sem estatuto oficial, foram os norte-coreanos, em 2006,  com a dinastia Kim a procurar na bomba a garantia de sobrevivência do regime, sobretudo depois de olhar para o destino do  iraquiano Saddam Hussein (e, depois, do líbio Muammar Kadhafi), que tiveram programas nucleares, mas desistiram. Há dias, Kim Jong -un disse que estava disposto a recorrer ao nuclear se estivesse em risco.

Seja por causa da não renovação dos tratados entre americanos e russos, seja por causa das ameaças de mudança da doutrina nuclear russa feitas por Vladimir Putin, seja pela desconfiança em relação às ambições nucleares dos iranianos, muito se tem falado do nuclear nestes tempos mais recentes. E se pensarmos que uma bomba nuclear pode ser centenas, ou até milhares, de vezes mais destrutiva do que as bombas atómicas, o Nobel da Paz agora atribuído à organização japonesa que representa os sobreviventes de Hiroxima e Nagasáqui é uma importantíssima chamada de atenção aos líderes mundiais.

 

Leonídio Paulo Ferreira, Diretor-adjunto do DN, membro do Clube de Lisboa.

Artigo originalmente publicado no Diário de Notícias, em 14 de outubro de 2024.

Imagem: Unsplash, Douglas Lima (Hiroshima, Japão)