A invasão russa da Ucrânia em fevereiro de 2022 levou a um inesperado alargamento da NATO, com a adesão da Finlândia e da Suécia, dois países nórdicos com tradição de neutralidade. Mas a admissão da própria Ucrânia levanta problemas diferentes à aliança militar, e daí não surpreender que o novo secretário-geral da NATO, o holandês Mark Rutte, tenha deixado bem claro que esta não é ainda concretizável, mesmo acrescentando estar “mais próxima do que nunca”.
O que preocupa Rutte, que a 1 de outubro substituiu o norueguês Jens Stoltenberg, é tanto a reação da Rússia, que insiste na guerra com a Ucrânia, como o nível de comprometimento da própria NATO, nomeadamente dos Estados Unidos, que a 5 de novembro votam para novo presidente.
O presidente ucraniano, que ontem apresentou no Parlamento de Kiev as linhas gerais do seu “Plano para a Vitória”, tem perfeita consciência de que estando Joe Biden de saída da Casa Branca, muito na relação com Washington vai depender de se será Kamala Harris ou Donald Trump a assumir a Presidência. Por cautela, na agenda da recente viagem que o presidente ucraniano fez aos Estados Unidos constaram encontros tanto com a vice-presidente que é candidata pelos democratas como o ex-presidente que volta a concorrer pelos republicanos.
Nenhum se comprometeu com o futuro, mesmo que se saiba que Harris será a continuidade de Biden e, portanto, mais previsível no apoio à Ucrânia, enquanto Trump é uma incógnita, seja pela forma pouco entusiasta com que se relacionou com a NATO nos quatro anos na Casa Branca, seja pela sua aparente convicção de que será capaz de convencer Vladimir Putin a encontrar uma solução de paz.
Mas qual solução? Oficialmente a Rússia até anexou território ucraniano no Donbass, somando-o à Crimeia, que desde 2014 está sob controlo de Moscovo. Também oficialmente, a Ucrânia não está disposta a ceder um milímetro do seu território. Portanto, não parece haver qualquer base para negociações, razão pela qual Zelensky insiste numa estratégia para obter mais apoio militar do Ocidente, também mais apoio político (a tal adesão à NATO), e tentar assim inverter o curso da guerra, que depois dos desaires iniciais passou a ser favorável aos russos.
Embora lenta, continua a sua progressão no Leste da Ucrânia, que não parou, nem mesmo quando os ucranianos, no início de agosto, entraram em território russo, numa jogada arriscada, cheia de simbolismo, que revelou novas fragilidades russas, mas pouco efeito parece ter.
Zelensky sabe que as suas tropas estão exaustas e que, em geral, o país sofre o desgaste de quase três anos de guerra. Mas se o seu rosto também denota cansaço, a sua determinação em resistir continua bem viva e, por isso, hoje vai a Bruxelas apresentar aos europeus a sua via para acabar com o conflito.
O problema é que essa via, que só admite ser de vitória, nunca será exclusivamente ucraniana. É uma via que exige que a NATO - que começou por hesitar no fornecimento de blindados e agora já oferece caças - forneça mais armas e mais modernas, autorize a sua utilização contra território russo e, sobretudo, admita o país na aliança militar fundada há 75 anos.
Ou seja, para a Ucrânia a NATO é tudo neste momento. Só que para vários países da NATO a Ucrânia não é tudo, ou pelo menos não vale tudo, nomeadamente se isso significar uma guerra com uma Rússia que não deixou claras as suas linhas vermelhas e que, de quando em quando, faz algumas declarações ameaçadoras, inclusive com alusões às armas nucleares.
Rutte fez o compromisso entre a solidariedade com Zelensky e a cautela que em geral os 32 membros da NATO mostram em relação ao aprofundamento do conflito. Não é só o sucessor de Biden que terá de tomar decisões difíceis. Na Europa também há quem tenha de o fazer, pesando interesses nacionais, opinião pública e até aquilo que se decidirá em Washington.
Se poucas vozes poupam nas críticas à Rússia, e à destruição que esta trouxe à Ucrânia, desafiar Putin abertamente é outro assunto e faz sentido que seja ponderado, pensado e coordenado. Zelensky é o primeiro a saber como é de difícil a aplicação daquilo que pede. Mas é o seu papel.
Leonídio Paulo Ferreira, Diretor-adjunto do DN, membro do Clube de Lisboa.
Artigo originalmente publicado no Diário de Notícias, em 17 de outubro de 2024.
Imagem: Unsplash, Bogomil Mihaylov, dezembro 2022