Quem ganha e quem perde com a morte de Soleimani?

A crise causada pelo assassínio de Soleimani contribuiu para reforçar o poder dos falcões em Teerão e comprometer o relacionamento dos EUA com as autoridades iraquianas, ressentidas por não serem informadas da operação militar.

Provocar crises (controláveis) em situações de tensão pode não ser necessariamente mau, se a situação estratégica final for melhor do que a inicial. Após a retirada americana do acordo nuclear iraniano (JCPOA), em maio de 2018, os iranianos continuaram a cumprir com aquilo a que estavam obrigados, sem que isso tivesse contribuído para minorar os efeitos das pesadas sanções entretanto impostas pela administração americana.

As medidas tomadas pelos restantes signatários do JCPOA não contribuíram para a diminuir o impacto das sanções. Perante a contínua deterioração da situação económica e social no país, o Irão mudou de estratégia. Distanciou-se progressivamente das suas obrigações, tornou-se mais assertivo, e passou a enriquecer urânio para além dos limites estabelecidos no acordo. Essa assertividade passava também por promover ações violentas, algumas de elevado risco, sem, contudo, pisar linhas vermelhas.

O ataque à embaixada americana em Bagdade, a que a polícia iraquiana assistiu impávida e serena durante algumas horas, foi seguido da inédita e singular ordem de Trump mandar assassinar um alto dignitário de um país com o qual não está em guerra, sem autorização do Congresso e sem informar as autoridades iraquianas, indicando ao Irão que há limites que não podem ser ultrapassados, mesmo se para tal tiver de violar a soberania iraquiana e os termos da presença da coligação no país. As autoridades iraquianas convidaram os EUA em 2014 para ajudar o Iraque a combater o Daesh, não para este tipo de operações.

A reação americana ao bombardeamento pelo Irão de duas bases militares americanas no dia 7 de janeiro, contrariamente ao que esperavam muitos analistas, não contribuiu para aumentar a tensão. Pelo contrário. Numa conferência de imprensa no dia 8 de janeiro, o presidente Trump veio dizer que “está tudo bem”. Anunciou o agravamento das sanções “até que o Irão altere o seu comportamento”, e pediu à NATO para se envolver mais no Médio Oriente.

Após o discurso de Trump, o clérigo Muqtada Al-Sadr veio dizer que “a crise acabou”. À semelhança do que ocorreu com os anteriores ataques às refinarias sauditas da Aramco, o petróleo e as bolsas de valores voltaram rapidamente aos valores pré-crise, não tendo provocado danos na economia mundial.

A crise causada pelo assassínio de Soleimani contribuiu para reforçar o poder dos falcões em Teerão e comprometer o relacionamento dos EUA com as autoridades iraquianas, que se sentiram humilhadas e ressentidas por não serem informadas da operação militar.

Se as autoridades iraquianas vierem a exigir a saída das forças americanas do país (o que ainda não fizeram formalmente), ou se os EUA se recusarem a abandonar o território passando a ser forças ocupantes, a situação final para os EUA será pior do que a inicial. A retirada americana do Iraque representaria uma vitória do Irão. Mas se, por outro lado, a crise tiver contribuído para refrear os ímpetos iranianos, produzindo alguma inibição e cautela nas suas ações, e para envolver a NATO no Médio Oriente, como Trump deseja, significa que a situação estratégica americana no final da crise será melhor do que a inicial. É preciso algum tempo para se poder avaliar corretamente o resultado.

 

 

Artigo publicado originalmente no Jornal Económico, 10.01.2020

Carlos Branco é Major-general, Investigador do IPRI-NOVA e membro do Clube de Lisboa

Foto: Irão, 2013. Créditos: EU/ECHO Pierre Prakash