Se segurança energética é igual a segurança nacional, EUA batem China e por muito

Se no caso da tecnologia de telecomunicações a América está a sentir certa dificuldade em contrariar os interesses chineses, pelo menos a nível energético é evidente que a superioridade está do seu lado.

Segurança energética e segurança nacional são sinónimos para os Estados Unidos. E se isto tem vindo a ser reafirmado pela administração Trump, como aconteceu há dias com o secretário da Energia Dan Brouillette numa viagem até Portugal, a verdade é que é um imperativo de política externa de uma superpotência, e ainda nos tempos da presidência de Barack Obama, quando os Estados Unidos se tornaram o primeiro produtor mundial de petróleo e rapidamente também um país exportador, começou a ser notado. A consequência mais óbvia do regresso da América a megapotentado energético é a estabilidade do preço do petróleo, com o barril de brent ontem a 56 dólares, quando há uma década chegou a ser cotado bem acima dos cem. E nem a guerra civil na Líbia, nem a hipótese de reacender do conflito na Líbia ou mesmo a tensão permanente entre a Arábia Saudita e o Irão parecem capazes de valorizar o crude. Pelo contrário, talvez o preço até baixe em virtude das dificuldades que a economia chinesa está a sentir por causa da epidemia de coronavírus.

Para um político isolacionista como Donald Trump, que já deu vários sinais por exemplo de querer sair desse atoleiro chamado Médio Oriente (tirando apoiar Israel, vender armas aos sauditas e travar o nuclear iraniano), a renovada abundância petrolífera e de gás natural no país é reconfortante, além de dinamizar uma economia que está a crescer e regista mínimos históricos a nível da taxa de desemprego. Do ponto de vista mais egoísta, são boas notícias para um presidente a nove meses de tentar a reeleição, mas do ponto de vista nacional, numa lógica de médio prazo, é também um cenário de sonho, sobretudo em comparação com a China, segunda economia mundial e rival assumido do predomínio americano. E o coronavírus só veio acentuar o surgimento de algumas fragilidades chinesas.

Em Portugal, um dos terrenos de confrontação dos interesses americanos e chineses, Brouillette visitou Sines, cujo porto é estratégico para as vendas de gás natural à Europa dada a relativa proximidade à costa leste dos Estados Unidos. A China também está interessada em Sines para o seu projeto Uma Rota, Uma Faixa, e o governante americano não deixou de enviar recados, num encontro em Lisboa com jornalistas, sobre Pequim. Desta vez não foi a Huawei e a sua rede 5G a visada, como aconteceu no ano passado com sucessivos visitantes americanos desde Ajit Pal (regulador das telecomunicações) a Mike Pompeo (secretário de Estado), mas de certa forma a EDP, bem-vinda aos Estados Unidos mas sob vigilância especial por causa do acionista Three Gorges.

Ora, se segurança energética é sinónimo de segurança nacional, a vantagem americana é agora enorme. A China até produz petróleo, quase cinco milhões de barris por dia, mas precisa de 12 milhões. Graças às novas técnicas que permitem extrair petróleo e gás de terrenos xistosos, os Estados Unidos produzem hoje 18 milhões de barris por dia, mais até do que os grandes exportadores tradicionais Rússia e Arábia Saudita. Teoricamente a melhor (ou única?) opção para a China seria investir no nuclear, ainda mais do que está a fazer.


No ano passado, a China cresceu 6,1%, o valor mais baixo em três décadas. Mesmo assim, tal contribuiu para metade do crescimento económico global, pois o país vale 16% do PIB mundial. Em 2020, as previsões iniciais davam valores semelhantes aos de 2019, mas agora as medidas de contenção da epidemia começam a pôr em causa até mesmo os 5%.

Apesar de, por causa da doença, haver uma espécie de trégua verbal (Trump até telefonou a Xi Jinping a elogiar o esforço chinês contra o coronavírus), a competição entre Estados Unidos e China prossegue imparável, seja na disputa de aliados (as Filipinas avançam na direção chinesa e distanciam-se dos Estados Unidos, o Cazaquistão é pressionado para não aceitar demasiado investimento chinês) seja na marcação de esferas de influência, como é o caso do mar do Sul da China, que Pequim pôs sob sua soberania, mas que os navios militares americanos fazem questão de frequentar em nome da liberdade de navegação.

Se no caso da tecnologia de telecomunicações a América está a sentir certa dificuldade em contrariar os interesses chineses, pelo menos a nível energético é evidente que a superioridade está do seu lado (e um pipeline a partir de Sines também poderia libertar a Europa de Leste da dependência do fornecimento russo, outra estocada geopolítica). E isso, para a superpotência (e ainda maior economia, com 24% do PIB mundial), não é um pormenor de somenos. Para o resto do mundo também não. E Trump pode continuar a proclamar, pelo menos para quem não tem como prioridade o combate às alterações climáticas, que a política energética torna a América grande outra vez.

 

Leonídio Paulo Ferreira, jornalista do Diário de Notícias e membro do Clube de Lisboa

Artigo publicado originalmente no Diário de Notícias, 15.02.2020

Imagem: Petróleo no Kuwait, UN Photo/John Isaac, Nações Unidas, março de 1991