A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável é viável e realizável

A implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, na sua ambição de promover um futuro mais justo, inclusivo e sustentável, é viável e realizável, embora não isenta de grandes desafios.

 

A viabilidade da Agenda 2030 demonstra-se, desde logo, pelo seu processo de negociação e elaboração, que constitui um exemplo único e um caso de boas práticas no plano multilateral, tendo sido possível chegar a um consenso global que não constitui o menor denominador comum, mas que representa uma visão ambiciosa sobre o futuro da humanidade e do planeta.

Isto representa uma mudança de paradigma, já que, até então, as agendas de desenvolvimento eram definidas em Washington, Bruxelas ou Nova Iorque, por especialistas e consultores do chamado “Norte” desenvolvido que definiam as condições para os países mais pobres receberem financiamentos. Todos os países e intervenientes, desde o setor privado à sociedade civil, de organizações a pessoas em nome individual, puderam ser ouvidos no processo negocial da Agenda 2030.

Nesse sentido, o processo de negociação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) é um estudo de caso, de inovação na diplomacia multilateral, depois de processos tão penosos e longos como as negociações da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (UNFCCC) ou da Organização Mundial de Comércio. O facto de o resultado final representar um consenso tão alargado confere-lhe força e viabilidade. Mesmo os atores que se mostraram céticos ou que combateram certos aspetos da Agenda durante as negociações têm mostrado que se juntaram neste desígnio após a sua aprovação, alguns assumindo entusiasticamente a sua implementação.

A agenda enquadra os esforços de desenvolvimento de todos os países do mundo e é abrangente nos seus 17 ODS e 169 metas. Neste âmbito, foi possível chegar a acordo sobre “objetivos zero” em vários aspetos que estão presentes na história da humanidade desde sempre. Por exemplo, pode parecer arrogante e irrealista pretender acabar com a pobreza em todas as suas formas e em todos os locais do mundo, mas este objetivo (ODS1) foi aprovado e levado a sério. É necessário salientar, igualmente, os enormes progressos efetuados nas últimas décadas, pois se a pobreza era a situação dominante no mundo após a II Guerra Mundial, em apenas 70 anos a percentagem de pessoas em situação de pobreza extrema diminuiu para menos de 10% da população mundial.

Por outro lado, e apesar da diminuição da pobreza, há um agravamento das desigualdades, que resulta do modelo de acumulação do sistema capitalista global, com algumas dezenas de pessoas a possuírem tanta riqueza como os 3,6 mil milhões de pessoas que constituem a metade mais pobre da população mundial (segundo dados da Oxfam). Devemos questionar-nos sobre quais os níveis aceitáveis de desigualdade para sustentar o modelo de desenvolvimento sustentável sem o prejudicar ou desagregar. Nesse âmbito, a coesão e proteção social são aspetos que assumem uma nova relevância nos processos de desenvolvimento. Estas dimensões das desigualdades figuram na Agenda 2030 com um objetivo próprio (ODS10). Assim, a Agenda 2030 veio ter em conta as várias tendências em curso e projetar o futuro de forma ambiciosa, mas realista.

Para além dos objetivos globais na área social, a Agenda 2030 inclui um conjunto de objetivos referentes ao planeta, reconhecendo a centralidade do ambiente e da sustentabilidade no desenvolvimento. Pela primeira vez na história, a humanidade tornou-se tão agressiva nos modelos de desenvolvimento prosseguidos, que acaba por destruir o planeta que os sustenta. Assim, a Agenda integra a preservação do ambiente, dos oceanos, da terra e das florestas como objetivos fundamentais, sem os quais será impossível o progresso.

Foi criado um sistema de monitorização regular da Agenda 2030 (nomeadamente através de conferências temáticas) e todos os países têm de reportar os progressos na implementação, o que é inédito. Desde que foram aprovados, os ODS têm vindo a constituir-se como um instrumento enquadrador da atividade de uma grande diversidade de atores, dos governos às empresas. Ao representarem uma linguagem comum, permitem uma maior clareza no diálogo, na definição e implementação de estratégias e políticas, bem como no processo decisório.

 

A Agenda 2030 corresponde também a um processo de mudança de paradigma no que respeita aos conceitos, às mentalidades e aos financiamentos.

Nos conceitos e nas mentalidades porque a conceção de “doador” e “recetor” de ajuda ao desenvolvimento se tem transformado num modelo mais diversificado e equitativo, com o envolvimento de uma multiplicidade de atores e parceiros, hoje considerados essenciais para o sucesso dos programas e estratégias de desenvolvimento. Há poucas décadas, o desenvolvimento dizia respeito à ação dos ricos para ajudarem os pobres a salvarem-se de si próprios. Esta visão assistencialista não produziu os resultados transformadores que se pretendiam e parece hoje evidente que os países hoje mais desenvolvidos não geraram riqueza através de ajuda e donativos, mas sim de um processo de transformação económica e social. Isto levou ao reconhecimento de que é necessário pensar e agir de forma diferente, para transformar efetivamente as sociedades.

Nos financiamentos, porque se está a ultrapassar definitivamente o modelo assente quase exclusivamente na ajuda ao desenvolvimento e na concessão de donativos, transitando para um panorama de grande variedade de financiadores, fundos e instrumentos financeiros, o que também permite aumentar o financiamento disponível para o desenvolvimento. Considerando os valores da ajuda ao desenvolvimento, donativos e empréstimos, verificamos que estes atingem cerca de 6 mil milhões de USD, quando as necessidades calculadas para financiamento do desenvolvimento ascendem a 5 a 6 biliões de USD. A verdade é que, atualmente, começamos a ser capazes de mobilizar e angariar biliões para o desenvolvimento, porque a perspetiva dos vários atores mudou e criaram-se novas oportunidades de investimento. O investimento na economia verde, na economia azul e no desenvolvimento sustentável tornou-se não apenas moralmente desejável, mas economicamente viável e inteligente. Por outro lado, a consciencialização dos consumidores também tem evoluído, sendo inevitável uma maior pressão do mercado sobre as empresas para que melhorem a sustentabilidade das suas ações.

O setor privado tem contribuído para estas mudanças, vendo também reconhecido o seu papel essencial no desenvolvimento através da criação de emprego, de infraestruturas sociais e económicas, da industrialização, etc. Nesse quadro, a Agenda 2030 é uma oportunidade para o setor privado avaliar e melhorar o seu impacto no desenvolvimento, podendo constituir-se como uma agenda de educação das empresas para a sustentabilidade. O processo de mudança está em curso, sendo visível um maior empenho das empresas em mostrarem que a sua perspetiva se alterou, que a sua atividade é sustentável e que contribuem para os ODS. Todos ganham, porque os impactos são muito maiores e abrangentes se o objetivo do lucro se associar a uma forte responsabilidade social.

Em muitos casos, os ODS assumem-se como um instrumento de uma nova estratégia das empresas e expressões como “credenciais ODS” ou “compatíveis com os ODS” são cada vez mais valorizadas. Atualmente, muitas linhas de crédito exigem a definição de qual o contributo dos investimentos para os ODS e cada vez mais investidores só aplicam os seus financiamentos em projetos que têm credenciais ODS. Um exemplo é a Global Sustainable Investment Alliance, formada em 2016, com 23 biliões de USD disponíveis para investir em projetos que contribuem para os ODS, dos quais 12 biliões para empresas europeias. As instituições financeiras multilaterais têm criado linhas específicas e incluem também, cada vez mais, instrumentos de financiamentos mistos (blended finance, “loan-grant”, etc), com componentes de maior risco, como se verifica no caso do Banco Europeu de Investimentos. Ainda no âmbito dos financiamentos, o apoio aos pequenos negócios mostra um elevado potencial ainda pouco explorado, pois os chamados “beneficiários da ajuda” são também os criadores de negócios e de empresas que investem nas suas comunidades e têm poder transformador a nível local, “da base para o topo”.

Verifica-se, portanto, todo um movimento de incorporação dos ODS na atividade de vários atores e organizações, embora existam aspetos a melhorar. Por exemplo, é ainda difícil reconhecer e medir os impactos não-económicos ou quantitativos dos ODS nos planos e modelos de negócio. Ou seja, é preciso identificar esse retorno e incorporá-lo naquilo que é apresentado às administrações e aos acionistas das empresas.  Organizações como a OCDE e a Bloomberg estão a trabalhar nesse sentido, para que seja possível às empresas terem melhores instrumentos.

No caso das empresas portuguesas, verifica-se ainda um grande desconhecimento sobre os ODS na generalidade do tecido empresarial - formado na sua maioria por pequenas e médias empresas -, com exceção de algumas empresas de maior dimensão que já apostam nesta área. No entanto, há uma grande recetividade por parte das empresas e até uma certa surpresa quando percebem que não é assim tão difícil ter um impacto mais positivo e sustentável. Existem já exemplos muito positivos, tendo sido salientado o caso do Hotel Pestana na Ilha do Príncipe (São Tomé e Príncipe), que contribui para 9 dos 17 ODS. Neste caso, o investimento assentou num diálogo permanente com a comunidade local, tendo não apenas impactos económicos e sociais importantes (com a criação de escola, prestação de cuidados de saúde, abastecimento do hotel por produtos locais, etc.), como também ao nível da consciencialização e educação ambiental da população local (para preservação das tartarugas e do habitat natural).

 

 

O Clube de Lisboa, o Camões - Instituto da Cooperação e da Língua e a UCCLA - União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa organizaram a Lisbon Talk “The 2030 Agenda: is it feasible?” na tarde de 11 de fevereiro de 2019, com o apoio do IMVF – Instituto Marquês de Valle Flor e da Câmara Municipal de Lisboa.

A Lisbon Talk contou com a intervenções de Macharia Kamau, Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros do Quénia (e antigo copresidente e facilitador do grupo de negociação da Agenda 2030 nas Nações Unidas) e de Bernardo Ivo Cruz, Membro da Direção da SOFID, sendo moderada pela jornalista Cristina Peres, Expresso.