A ofensiva jihadista em Cabo Delgado - Entrevista a João Bernardo Honwana

"A ofensiva jihadista em Cabo Delgado só pode ser derrotada através da combinação de uma resposta militar eficaz com ações que satisfaçam as aspirações dos cidadãos". Entrevista a João Bernardo Honwana, consultor na área de Resolução de Conflitos, Mediação Política e Diplomacia Preventiva, em Nova Iorque. Participou a 1 de julho na Speed Talk do Clube de Lisboa sobre o jihadismo em Cabo Delgado.

A violência em Cabo Delgado pode ser resolvida pela via militar, com eventual apoio internacional a Moçambique, ou precisa de uma solução que conquiste as populações locais para o projeto nacional?
Eu considero as duas condições -vitória militar e a "conquista" das populações - como complementares e não alternativas. A ofensiva jihadista em Cabo Delgado só pode ser derrotada através da combinação de uma resposta militar eficaz com ações que satisfaçam as aspirações e expectativas dos cidadãos nos planos politico, económico, social e cultural.

O elemento estrangeiro, jihadistas vindos de outras partes de África, é preponderante nas milícias?
Creio que sim. Vários relatos dão conta que jihadistas provenientes do Uganda, Somália, Quénia, e Tanzânia ocupam as principais posições de comando e controle das forças do Ansar Al-Sunna, o que de resto é consistente com o comportamento das forças do ISIS noutras zonas de expansão em África e no Médio Oriente.

A riqueza de Cabo Delgado, em minerais e gás natural, é um mito ou é tão real que bem distribuída poderia acabar com a pobreza?
Acredito que a riqueza é real e que, bem gerida, ela pode certamente alavancar o desenvolvimento do país e ajudar a eliminar a pobreza. Mesmo que eventuais variações em baixa dos preços de tais recursos nos mercados internacionais possam reduzir significativamente o valor dessa riqueza, os volumes de gás natural por si só são tão altos (algumas estimativas sugerem cerca de 200 Triliões de Pés Cúbicos) que julgo haver razão para um otimismo cauteloso.

Existe risco de confrontos interétnicos e interreligiosos no Norte de Moçambique por causa desta violência jihadista?
O risco de confrontos no Norte de Moçambique e noutras zonas existe, não só por causa da violência jihadista, mas por causa da presença, em maior ou menor grau, de tensões, desconfianças, antagonismos e perceções mútuas de ameaça entre diferentes grupos na sociedade moçambicana. Enquanto não se tiverem estabelecido os mecanismos adequados à abordagem e resolução de tais problemas, há sempre o risco de eclosão de confrontos ao longo das várias linhas de clivagem que enfermam o país.

Moçambique, com Maputo localizada no extremo sul, está ameaçado por algum tipo de secessão no Norte ou noutras regiões?
A localização excêntrica da capital, ainda que não seja ideal, por si só não justifica tendências separatistas. E, para além do Ansar Al Sunna, cujo objetivo declarado é criar um estado islâmico no norte de Moçambique, não me parece existir neste momento em Moçambique qualquer outra força secessionista.

Estes grupos em Cabo Delgado e a facilidade com que atuam devem servir de alerta ao Estado para se renovar e mostrar maior eficácia?
Sem duvida. O que se está a passar em Cabo Delgado deve servir de alerta ao Estado e ao conjunto da sociedade moçambicana para a necessidade urgente de se procurar, de forma deliberada e sistemática, soluções pacificas e duradouras para os desafios que confrontam o país, particularmente no plano da governação e do relacionamento entre o Estado e os cidadãos. Naturalmente que cabe ao Estado tomar a iniciativa de abrir espaços que permitam o exercício de uma cidadania ativa e responsável.

 

Entrevista publicada no Diário de Notícias, 06.07.2020