"Ao chamar 'arruaceiros', Trump sabe que está em sintonia com uma certa América"

Francisco Seixas da Costa, presidente do Clube de Lisboa, esteve no Jornal das 8 da TVI, para analisar a atual situação nos Estados Unidos, em especial o impacto político das manifestações que surgiram depois da morte de George Floyd.

O racismo nos Estados Unidos, que surge de forma sistemática e recorrente, tem uma dimensão social e económica, em que existe uma exclusão e afastamento das pessoas do usufruto da sociedade americana. Têm existido muitos casos ao longo dos anos e vários redundaram em violência durante vários dias, mas há sempre a sensação de que nada é feito. A sociedade americana é muito diversa e desigual – e as várias administrações não têm conseguido alterar o sistema que perpetua a discriminação.

Trump introduziu uma tensão grande na sociedade, que faz parte da sua estratégia de lidar com o país, pois nunca escondeu que a sua ideia era ter uma presidência confrontacionista. Nunca procurou consensos com aqueles que não votaram nele, pelo contrário, sempre quis sublinhar todas as divergências. Mesmo nas questões internacionais, a estratégia é de afirmação de poder e de confrontação.

A tensão existente nos Estados Unidos, ligada às tensões raciais e ao mal-estar em ambiente urbano, é exacerbada pelo desemprego e pela pandemia. Para Trump, os atuais acontecimentos funcionam como um fator de diversão relativamente à questão da pandemia, bem como uma oportunidade de se assumir como “o presidente da lei e da ordem”. Ao chamar “arruaceiros” às pessoas, ele sabe que está em sintonia com uma certa América, tentando enfatizar o argumento político-ideológico (nomeadamente em relação aos movimentos antifascistas). Neste contexto, o discurso democrata também está fragilizado, porque não pode deixar de condenar a desordem, as pilhagens e assaltos, para além de o candidato às próximas presidenciais ser pouco mobilizador ou entusiasmante. E se olharmos para o eleitorado que elegeu Trump e para o grau de satisfação relativamente à forma como o presidente tem gerido as coisas, não se regista um decréscimo significativo da sua base de apoio.

Por outro lado, nos Estados Unidos, a política externa – com exceção de casos radicais ou em situação de guerra – nunca foi um fator diferenciador do presidente, mas antes um fator utilizado pelo presidente com formas mais ou menos nacionalistas ou protecionistas, a partir da situação interna. No caso da China, Trump fez um mix entre a ameaça política e económica, primeiro utilizando o argumento da ameaça das exportações chinesas e da perda de postos de trabalho nos Estados Unidos, e depois transformando-a numa guerra global a nível comercial.

Neste contexto, e apesar de ser difícil prever como está o eleitorado americano num determinado momento, Trump poderá mesmo ganhar as próximas eleições.

 

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