Foi assim a Lisbon Talk sobre Estados frágeis

No dia 14 de setembro, o debate sobre os contextos de fragilidade desenrolou-se na certeza de que a paz, a segurança e o desenvolvimento estão interligados.

 

 

A atual lista de países em contexto de fragilidade é de 58 países e o objetivo desta classificação é identificar quais as dificuldades e desafios destes contextos, encontrando soluções e abordagens mais adequadas. Na OCDE, a análise destas realidades é efetuada segundo 5 dimensões – política, societal, económica, ambiental e de segurança -, que têm de ser abordadas de forma multidimensional e interdependente, conforme o relatório States of Fragility 2018. O g7+, enquanto grupo de países em contexto de fragilidade e pós-conflito, trabalha com os doadores a implementação do New Deal para o Envolvimento eficaz em Estados Frágeis, que deve enquadrar a atuação da comunidade internacional nestes países.

Cerca de 1,5 mil milhões de pessoas vivem hoje em Estados frágeis e calcula-se que, até 2030, 80% dos pobres no mundo viverão nestes países. O número sem precedentes de deslocados forçados e refugiados está ligado a contextos de conflito e fragilidade, com impactos globais. As alterações climáticas afetam cada vez mais os países mais frágeis e, dentro destes, as populações mais pobres, acrescentando novas camadas de complexidade a este tema.

É necessário um maior investimento nos contextos de fragilidade, o que não significa apenas mais recursos financeiros.

Em primeiro lugar, a ajuda ao desenvolvimento tem de ser mais focada e mais adequada, pois se 43% da ajuda pública ao desenvolvimento se destina aos 58 países frágeis, boa parte dessa ajuda é de curto prazo, nomeadamente ajuda humanitária e de emergência. É necessário, portanto, reforçar a perspetiva de longo prazo, bem como a coordenação entre os atores envolvidos, os quais frequentemente competem por visibilidade, fragmentam os financiamentos e replicam estruturas e recursos humanos, em vez de investirem em abordagens mais abrangentes e complementares. A ajuda deve ser determinada pelas prioridades nacionais dos países que a recebem e não pelas opiniões públicas dos países europeus. Para isso, é preciso humildade para ouvir quem está no terreno e também mais liderança por parte dos Estados frágeis.

Em segundo lugar, é preciso atrair o setor privado, para que este se desloque não apenas para onde é mais fácil, barato e lucrativo, mas também para os que mais necessitam. Só 10% do investimento direto estrangeiro é direcionado para Estados frágeis. Para atrair estes investimentos, é preciso criar mecanismos que favoreçam a participação do setor privado (tanto nos países como nas instituições financeiras internacionais), reforçar o clima de confiança e de previsibilidade através de maior estabilidade, criar condições institucionais e regulatórias favoráveis, e melhorar as condições de base necessárias – estradas, conetividade, energia/infraestruturas básicas. Só com parcerias entre o setor privado e público será possível realizar os objetivos de desenvolvimento, até em setores como a educação. O desenvolvimento é uma oportunidade para o setor privado, calculando-se que existam cerca de 12 biliões de USD de oportunidades para este setor no quadro da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável.

Em terceiro lugar, é necessário investir no diálogo, na reconciliação e na democracia para lá da realização formal de eleições (que podem constituir fator de tensão e conflito). O debate demonstrou como tendemos a ver o mundo com os olhos de quem está na Europa. É necessário adaptar quadros legislativos e jurídicos para que melhor correspondam às realidades sociológicas dos países, sempre tendo por base a democracia e direitos humanos como valores fundamentais. Neste quadro, as questões da governação e da promoção dos recursos humanos locais são essenciais.

Em quarto lugar, não basta democracia e recursos financeiros, se depois a riqueza dos países frágeis é pilhada e delapidada, impedindo a mobilização de recursos financeiros internos para o desenvolvimento de infraestruturas, serviços sociais, etc. Os fluxos financeiros ilícitos são hoje um problema com grandes impactos negativos nestes países, devendo reforçar-se a cooperação internacional nesta matéria.

Por último, é preciso trazer a prevenção para o topo das agendas políticas, como principal referencial de atuação da comunidade internacional. Atualmente, só 2% da ajuda pública ao desenvolvimento e dedicada à prevenção de conflitos, enquanto se gastam 233 mil milhões de USD na manutenção da paz. Isto é errado não apenas do ponto de vista moral e político, mas também económico, já que 1 USD investido na prevenção representa uma poupança de 17 USD.

O exemplo de vários países - como o Ruanda ou Timor Leste - demonstra que e possível sair de um círculo vicioso para um ciclo virtuoso, mas também há muitos exemplos de crises esquecidas. As pessoas devem ser o centro, o princípio, o meio e o fim do desenvolvimento. Nesse âmbito, o objetivo dos países frágeis é que sejam efetivamente envolvidos  – “nothing about us, without us”.

 

A Lisbon Talk "Estados frágeis ou estados de fragilidade?" decorreu a 14 de setembro de 2018 na sede do g7+ em Lisboa, com as intervenções de Jorge Moreira da Silva, Diretor da Direção de Cooperação para o Desenvolvimento da OCDE e Hélder Costa, Secretário geral do g7+ e a moderação da jornalista da SIC, Cândida Pinto. Uma organização conjunta do Clube de Lisboa e do g7+, com a colaboração institucional da OCDE e o apoio do Instituto Marquês de Valle Flor - IMVF e da Câmara Municipal de Lisboa.