A pandemia de covid-19 é “uma imensa tragédia humana”, mas constitui uma oportunidade para os governos investirem “no sítio certo”, promovendo a transição energética. Na verdade, “investimos pouco nas áreas onde o apoio é mais necessário, como a eficiência, o acesso à energia e as renováveis”, setores onde há uma “imensa oportunidade de empregos”, diz Jennifer Layke, diretora global do Programa de Energia do World Resources Institute, a maior organização não governamental mundial sobre preservação do ambiente.
Jennifer Layke é uma das oradoras da 4.ª edição das Conferências de Lisboa, de 30 de setembro a 2 de outubro, neste ano em versão 100% virtual, e dedicada à temática “A aceleração das mudanças globais e os impactos da pandemia”. Em entrevista ao Dinheiro Vivo, a especialista defende que os vários países se devem concentrar em “promover a resiliência de longo prazo”, para permitir que as comunidades “se preparem melhor” para “choques futuros”, como surtos de doença e os impactos das alterações climáticas. “Num mundo pós-pandemia, os governos precisam de tornar a vida das pessoas mais segura e garantir um acesso à energia justo e equitativo para todos”, defende. O problema, diz, é o contínuo investimento nos combustíveis fósseis, batalha que “ainda não conseguimos vencer”. A prová-lo estão os dados da energypolicytracker.org sobre os gastos totais dos países do G20 de apoio aos combustíveis fósseis, que totalizam já mais de 205 mil milhões de dólares, desde o início do ano, versus os 136 mil milhões afetos à promoção de energias limpas.
E o argumento da crise provocada pela pandemia não serve de argumento, no entender de Jennifer Layke, já que “há uma imensa oportunidade de empregos” ligados à transição energética. E dá o exemplo do mercado americano, onde o setor da eficiência energética empregava, no ano passado, 2,38 milhões de pessoas, quase tanto (2,55 milhões) como o setor dos veículos motorizados. “Eficiência, construção e imobiliário são oportunidades críticas para empregos que melhoram as nossas vidas e impulsionam sistemas de energia modernos”, afirma.
Para a dirigente, não há dúvida que os investimentos “verdes” “podem criar mais empregos” do que os combustíveis fósseis, sendo que os pacotes de estímulo e recuperação orientados para as energias renováveis, a modernização da rede e as oportunidades de transição para os trabalhadores dos combustíveis fósseis e das comunidades locais a eles associados “podem ajudar a acelerar o progresso” face às metas de redução de emissões até 2030, “ao mesmo tempo que criam emprego e promovem a igualdade”.
Mas Jennifer Layke acredita que transição energética é uma realidade sem regresso, mesmo que tenha de acontecer de forma faseada, com a aviação e o transporte marítimo a ficarem para o fim, devido às suas exigências específicas. Quanto aos EUA e ao abandono do Tratado de Paris, é perentória: “Na ausência de ação federal, os governos locais e as partes interessadas têm liderado o clima. O novo relatório America’s Pledge confirma-o: mesmo com a crise económica e de saúde pública causada pela covid-19, Estados, cidades e empresas estão a conduzir os EUA a um futuro mais amigo do clima”.
Jennifer Lake participa no painel sobre Alterações Climáticas, no dia 30 de setembro, na 4ª Conferência de Lisboa.
Artigo publicado no Dinheiro Vivo, 27.09.2020