A Europa não aprendeu as lições políticas da crise da zona euro

Infelizmente, a Europa não parece ter aprendido as lições políticas da crise da zona euro. Vale a pena relembrá-las, sob pena de entrarmos numa espiral de declínio político nacional e europeu.

 

Passada uma mera quinzena desde que foi declarada a pandemia da covid-19, a 11 de Março de 2020, já se notam as dificuldades em que se encontram as democracias europeias. Em alguns países, como Portugal, foi declarado o estado de emergência. Na Hungria, o primeiro-ministro Orbán tomou a mesma decisão, para poder continuar na senda de autoritarismo que tem pautado a sua governação. Outros países inauguram medidas de controlo social através de recolha e análise de dados dos telemóveis pessoais, pondo em causa as liberdades individuais. Parecem grandes estas repercussões políticas imediatas da crise do coronavírus. E são. Mas elas empalidecem quando vislumbramos o que poderá acontecer depois da crise económica que se anuncia à medida que se prolonga a crise de saúde pública.

De facto, a travagem do vírus através do fecho de países inteiros irá muito em breve transformar-se numa crise económica de grandes proporções. A resposta da UE até agora tem sido bastante tímida. Infelizmente, a Europa não parece ter aprendido as lições políticas da crise da zona euro. Vale a pena relembrá-las, sob pena de entrarmos numa espiral de declínio político nacional e europeu.

A primeira lição política da crise da zona euro é que os governos nacionais não controlam a política económica do seu próprio país, o que obrigaria a uma política económica europeia. A política monetária está supranacionalizada, quer dizer que é decidida em Bruxelas, e os critérios do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) obrigam a uma política fiscal austeritária. Apesar de supranacional, os Estados foram obrigados a arcar com os custos da crise sozinhos. Não foram implementadas medidas solidárias à escala europeia que diminuíssem as assimetrias da crise, e permitissem margem de manobra fiscal nos países mais afetados pela crise económica. A agenda – austeritária e assimétrica – da zona euro continua a ser o cerne da política da União Económica e Monetária na UE, apesar de medidas pontuais que foram sendo tomadas.

A segunda lição da última crise é que os governos priorizaram os compromissos externos em relação aos objetivos internos com imediatas consequências eleitorais. Os governos dos países da zona euro escolheram cumprir os compromissos de equilíbrio das finanças públicas com a UE, em vez de responder ao eleitorado com medidas para mitigar os efeitos da crise. Essa escolha foi particularmente dura nos países onde a crise económica foi mais profunda como a Grécia, Irlanda, Espanha ou Portugal. Em consequência disso, os governos sofreram perdas eleitorais grandes, no imediato, mas os efeitos políticos foram muito além disso.

De facto, a terceira lição da última crise é que essa falta de responsividade crescente que os governos nacionais adotaram em relação aos cidadãos espoletou e/ou consolidou um enorme desgaste da relação destes com a política. O estudo de Ruiz-Rufino e Alonso (2017) [1], analisando eleitores de todos os países da zona euro em 2014 e 2019, demonstra que houve uma diminuição sistemática na satisfação com a democracia na zona euro que não recuperou depois da crise.

A quarta lição política é que a crise levou ao abandono dos partidos centristas e ao crescimento dos partidos populistas, sobretudo à direita, de forma sustentada. Hernandez e Kriesi (2016) ​[2 ] demonstram precisamente isso numa análise dos resultados eleitorais em 30 democracias europeias antes e depois da crise da zona euro. Há vários factores que explicam o apoio a esses partidos radicais de direita. O nacionalismo e questões identitárias que são muitas vezes tidas como fundamentais, especialmente no norte da Europa, também têm em parte origem económica.

A quinta e última lição é que esses partidos populistas de direita não são meros constrangimentos para a política nacional, eles minam o projecto europeu. Sem UKIP e Farage não teria havido “Brexit”. Mesmo sem contar com os britânicos, os novos partidos de direita radical já representam cerca de 20% dos deputados no Parlamento Europeu, eleitos em 2019. São agentes do eurocepticismo, do nativismo e do nacionalismo, contrariando o espírito da construção europeia. Portanto, as consequências dos realinhamentos políticos a nível nacional, em consequência da crise económica, têm levado a graves bloqueios europeus. Se a Europa quiser continuar a ser um projeto comum, não deve ignorar as suas responsabilidades. Os governos são responsáveis perante a UE, mas esta tem de contribuir para a responsividade dos governos perante os cidadãos partilhando os custos desse esforço.

 

[1] Ruiz‐Rufino, R., and Alonso, S., “Democracy without choice: Citizens’ perceptions of government autonomy during the Eurozone crisis”, European Journal of Political Research 56.2 (2017): 320-345.

[2] Hernández, Enrique, and Hanspeter Kriesi, “The electoral consequences of the financial and economic crisis in Europe”, European Journal of Political Research 55.2 (2016): 203-224.

 

Marina Costa Lobo, Politóloga, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, e Vice-Presidente do Clube de Lisboa. 

Artigo publicado originalmente no Público, 31.03.2020

Imagem: Lisbon Talk sobre o futuro da integração europeia, novembro de 2019, Clube de Lisboa.