Um olhar sobre a crise brasileira

Quando olhamos para o Brasil, poderemos ficar surpreendidos com a crescente crise política, institucional, económica, social e sanitária que o país atravessa.

Quando olhamos para o Brasil, poderemos ficar surpreendidos com a crescente crise política, institucional, económica, social e sanitária que o país atravessa, principalmente porque nos recordamos do crescimento económico e social que marcaram o início do Século XXI e a forma como a democracia brasileira sobreviveu a vários desafios desde o fim da Ditadura Militar.

Com efeito, a democracia brasileira tem conhecido um conjunto de dificuldades e de vicissitudes que colocaram e que colocam à prova a qualidade do seu sistema institucional. Mas a história mostra que o modelo constitucional do Brasil é muito mais resiliente do que em outros países latinos americanos. Senão vejamos.

Logo no início do regime democrático brasileiro, o sistema foi confrontado com a morte do Presidente-Eleito Tancredo Neves, mesmo antes da tomada de posse. Poucos discordarão que a morte de um Presidente é um teste para qualquer democracia e mais o é para um regime político muito novo como a democracia brasileira à época. No entanto, o sistema constitucional brasileiro funcionou como previsto e o Vice-Presidente José Sarney assumiu a presidência e exerceu o poder.

A presidência seguinte voltou a testar a resiliência do sistema democrático brasileiro. Depois de uma forte contestação popular nas ruas que levou à demissão do Presidente Collor de Mello, o sistema atuou dentro das normas, dos mecanismos e dos limites da constituição e o Vice-Presidente Itamar Franco assumiu a Presidência e cumpriu o seu mandato.

Os Presidentes seguintes, Fernando Henrique Cardoso e José Inácio Lula da Silva trouxeram 16 anos seguidos de estabilidade institucional, crescimento económico e desenvolvimento social invejáveis, retirando 36 milhões de brasileiros da pobreza. E os primeiros 4 anos de Dilma Rousseff foram cumpridos sem sobressaltos. No entanto e ao fim de 20 anos de estabilidade, o sistema constitucional brasileiro foi uma vez mais posto à prova com a substituição da Presidente Dilma pelo seu Vice-Presidente Temer e o processo sucessório constitucional foi novamente respeitado.

Em toda esta longa história de presidentes depostos e vice-presidente instalados ou de presidentes eleitos que tinham lutado contra o regime militar com a caneta - no caso do Sociólogo Fernando Henrique Cardoso -, com o microfone - no caso do Sindicalista Lula da Silva - ou mesmo em armas - como a revolucionária Dilma Rousseff - as Forças Armada Brasileiras mantiveram-se fiéis à legalidade democrática e ao processo constitucional. Aliás, quando perguntado se estava confortável com a eleição de Dilma, o Comandante do Exército respondeu que "a Presidente foi eleita na vigência da Constituição e o Exército faz-lhe continência".

A atual crise brasileira é talvez mais séria e mais grave que as anteriores, aliando uma assustadora degradação das condições sanitárias, económicas, sociais e políticas a uma crescente de falta de legitimidade institucional do Presidente. E os sinais do incomodo das instituições políticas, económicas, sócias e até militares são cada vez mais claras.

A história da democracia brasileira tem sido uma história de crises e de resiliência e o sistema constitucional do país tem encontrado em cada momento as respostas institucionais que fazem do Brasil um dos países mais estáveis da América Latina. Esperemos que a crise atual não venha a ser a exceção.

 

Bernardo Ivo Cruz, Investigador Associado do CIEP / Universidade Católica Portuguesa e membro da direção do Clube de Lisboa

Artigo publicado originalmente no Diário de Notícias, 25.05.2020

Imagem de sergio souza em Unsplash