As máquinas estão a chegar e querem o teu emprego

Há anos que andamos a falar no futuro cada vez mais próxima em que muito do trabalho que hoje fazemos passará a ser feito por máquinas.

Discutimos o impacto que a Robótica e a Inteligência Artificial terão na produtividades e na qualidade de vida e o que esta nova revolução industrial - a 4ª da História da Humanidade - terá nos avanços da ciência e do conhecimento. Também reconhecemos, mas discutimos menos, que alguns de nós ficarão a perder.

Que a Robótica e a Inteligência Artificial são uma realidade hoje e que serão uma realidade ainda mais presente nos próximos anos é indiscutível e mesmo que não gostemos ou que tivéssemos esperança que as coisas fossem diferentes, não há nada que possamos fazer. Teremos tanto sucesso a travar a 4ª Revolução Industrial como os artesão conseguiram evitar a industrialização ou os condutores de carroças conseguiram impedir a chegada dos carros. Não vale a pena sequer pensar no assunto.

Os mutíssimos estudos existentes sobre os impactos da 4ª Revolução Industrial - feitos por Universidades, Organizações Internacionais, Governos, Gabinetes de Estudo, Consultoras, Bancos, Empresas e muitos outros - são unânimes em reconhecer que a Robótica e Inteligência Artificial irão ter um impacto muito benéfico na economia e nas nossas vidas mas que irão igualmente destruir um número considerável de empregos, incluindo alguns que exigem anos de estudo como algumas especialidades médicas, juristas, economistas e outras. Numa nota de optimismo, os mesmos estudos esperam que, tal como nas anteriores revoluções industriais, esta venha a criar novos empregos, muitos dos quais ainda não somos capazes de identificar.

Num estudo recente da Universidade Nova para a CIP - Confederação Empresarial de Portugal, sobre o impacto da 4ª Revolução Industrial, conclui-se que Portugal apresenta um elevado potencial de automação e antevê o desaparecimento de 1.1 milhões de empregos por volta de 2030. Ao mesmo tempo, espera-se que possam surgir 600 mil a 1.1. milhões de novos empregos, mas obrigando à requalificação de cerca de 700 mil trabalhadores. Ou seja, mesmo no cenário em que a perda e a criação de empregos acabam equilibrados, a necessidade de adaptação e reconversão de uma fatia substantiva dos trabalhadores obriga a um exercício complexo e difícil. O que devemos nós fazer enquanto sociedade para evitar os cenários mais pessimistas?

Como todos os desafios estruturais, não há uma resposta fácil e só juntando os vários intervenientes e as várias ciências seremos capazes de nos preparar para os impactos da 4ª Revolução Industrial.

Para começar, temos que sermos capazes de antecipar quais serão os empregos do futuro. Embora os estudos citados nos digam que tipo de empregos irão desaparecer, poucos são os que nos dizem que novos empregos irão ser criados. E, no entanto, se quisermos antecipar as
necessidades a tempo de podermos nos preparar para elas, teremos que ter uma idea do que nos espera.

Em segundo lugar, temos que rever o currículo e a forma de ensinar e aprender nas Escolas e nas Universidade. E teremos ainda que aprofundar e reforçar de forma substancial os programas de requalificação profissional e de aprendiam ao longo da vida. O ensino e a formação profissional terão que serem capazes de prepararem as pessoas para um realidade nova e muito diferente daquela que vivemos.

Em terceiro lugar, temos que ter mecanismos de proteção social que permitam a transição das pessoas que se conseguem adaptar às novas exigências do mercado de trabalho e mecanismos de proteção para aquelas que já não são reconvertíeis mas que ainda não estão em idade de se reformarem.

Mas mesmo que façamos tudo isto, e mesmo que o façamos bem, não há garantias que todos tenhamos emprego no mundo da 4ª Revolução Industrial. O que fazer se acabarmos com um conjunto relevante de pessoas estruturalmente desempregadas? Para além da questão de subsistência - que é fundamental - há igualmente uma questão de valorização pessoal. Hoje em dia, a nossa contribuição e o nosso valor para a sociedade continua muito ligada ao nosso emprego. Somos o que fazemos e somos reconhecidos por isso.

Se a 4ª Revolução Industrial significar o surgimento de um grupo de pessoas permanentemente ociosas por razões que estão substancialmente para lá do seu controle, como é que vamos integra-las na sociedade? Que papel terão e como iremos reconhecer os seus contributos para a comunidade? O que vale um mau poeta, um mau pintor ou um mau músico?

Se queremos estar preparados para os impactos da 4ª Revolução Industrial, temos todos e em conjunto - Governo, Partidos Políticos, Associações Empresarias, Sindicatos, Universidades e Sociedade Civil - que colaborar para encontrar soluções. A 4ª Revolução Industrial desafia-nos a todos e não deixará de nos bater a porta, estejamos ou não preparados para ela.

 

Bernardo Ivo Cruz, Investigador Associado do CIEP / Universidade Católica Portuguesa e membro da direção do Clube de Lisboa

Artigo publicado originalmente no Diário de Notícias, 01.06.2020

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