Quando olhamos para o estado do Mundo desde a queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria há mais de 30 anos, encontramos uma narrativa comum nos aliados ocidentais, onde Portugal se integra, sobre o modelo político do Sistema Internacional que dominava as relações internacionais: a promoção de Democracias de matriz ocidental, baseada na complementaridade entre os Direitos Políticos, o Estado de Direito, a realização de Eleições Livres e Justas, o Controle Democrático das Instituições e - mais na Europa e Canadá do que nos Estados Unidos - a proteção dos Direitos Coletivos.
E mesmo quando as diferenças entre os aliados ocidentais se tornaram mais claras, após a queda das Torres em Nova Iorque a 11 de Setembro de 2001, estas foram mais de método do que de objectivo, já que enquanto União Europeia e a maioria dos seus Estados membros propunham a Condicionalidade Democrática como modelo de relações com outros países - ou seja, fazer depender o acesso aos apoios, das mudanças verificáveis nos modelos democráticos dos países que beneficiam da cooperação europeia -, os Estados Unidos, o Reino Unido e outros optaram pelo que ficou conhecido por "Regime Change", que se traduz na utilização das Forças Armadas para provocar mudanças de regime que permitissem um caminho mais rápido para a Democracia. Sem prejuízo, o objectivo de promoção da Democracia manteve-se e mesmo essas diferenças duraram uma administração, pois o fim da Admiração Bush e a chegada ao poder da Administração Obama aproximou de forma visível as duas margens do Atlântico num modelo mais próximo da "Condicionalidade Democrática" do que do "Regime Change".
Essa constante de quase 3 décadas do modelo das Relações Internacionais parece ter sucumbido à mudança da Administração em Washington e à nova afirmação da China no Mundo.
Do lado de Washington, a nova Administração estará a substituir o posicionamento tradicional da Política Externa Americana por um conjunto de relações bilaterais, não constrangidas por regras ou organizações internacionais, que têm como objectivo último defender os seus interesses nacionais. Ou seja, "to put America first" como anunciou o Presidente Trump no seu discurso de tomada de posse. Não faltam exemplos do novo posicionamento de Washington face às Organizações Internacionais, mas talvez os mais óbvios sejam a anunciada saída da Organização Internacional de Saúde, a não substituição dos Juízes do Tribunal Arbitral da Organização Mundial do Comércio, que deixou de poder funcionar no passado dia 10 de Dezembro por falta de quorum, ou a crescente limitação do financiamento norte-americano às organizações multilaterais.
Por outro lado, Pequim oferece uma visão do Sistema Internacional onde se desliga o crescimento económico e o desenvolvimento social da condicionalidade democrática europeia. Para a China, como o Presidente Xi deixou claro em Davos em 2017, interessa uma globalização regulada e sem implicações ou imposições no sistema político de cada país. No entanto, o apoio Chinês não vem sem uma fatura, que se traduz muitas vezes na aquisição de infra-estruturas e serviços estratégicos nos países que beneficiam do apoio de Pequim.
A estes dois modelos alternativos, a União Europeia - que poderíamos caracterizar como uma "potência civil com ambições globais" - continua a oferecer uma visão consistente do Mundo, baseada na ligação entre o Crescimento Económico, o Desenvolvimento Social e a promoção da Democracia Política, a que juntou recentemente a Sustentabilidade Ambiental.
Assim, e no final da segunda década do Século XXI, o Sistema Internacional vê-se confrontado com 3 modelos alternativos e está, naturalmente, mais imprevisível. Portugal, sem capacidade política ou militar para impor a sua vontade ou defender os seus interesses num ambiente internacional anárquico ou mesmo apenas "egoísta", precisa de um Mundo gerido através de soluções multilaterais e de um Sistema Internacional baseado na cooperação, no direito, nas negociações e na busca de consensos. Ou seja, Portugal é e será um defensor entusiasta e empenhado do Condicionalismo Democrático da União Europeia.
Bernardo Ivo Cruz, Investigador Associado do CIEP / Universidade Católica Portuguesa e membro da direção do Clube de Lisboa
Artigo publicado originalmente no Diário de Notícias, 13.07.2020
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