O “Novo Plano Marshall” Europeu, Uma Nova Agenda
1.
Há mais ou menos um ano atrás, estávamos ainda nas primeiras semanas de pandemia na Europa, e já todos percepcionávamos a crise económica e social que vinha aí com a Covid-19. Não sabíamos a dimensão nem a duração, mas percebíamos que ia ser dura.
De tal forma que, ainda em meados de Abril, a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, chegou mesmo a referir que a Europa iria precisar de um “novo Plano Marshall” (aludindo ao programa de reconstrução da Europa após a II Guerra Mundial financiado pelos Estados Unidos) para responder à crise pandémica provocada pela Covid-19.
Não estava longe da verdade. No segundo trimestre de 2020 o PIB nos países da Zona Euro acabaria por afundar 14,7%!
E apesar de alguma recuperação, no final de 2020, o cenário não deixou de ser claramente negativo. No conjunto dos 27 países da União Europeia o PIB caiu 6,4% relativamente a 2019.
Nas principais economias mundiais, com excepção da China, a realidade também foi de forte recessão. Nos Estados Unidos o PIB contraiu 3,5% em 2020. No Japão, a queda foi de 4,8%. E no Reino Unido o PIB caiu 9,9%.
A economia chinesa ainda conseguiu crescer 2,3% em 2020, mas mesmo assim, foi o pior desempenho dos últimos trinta anos. Recorde-se que em 2019 o PIB chinês tinha crescido 6,1%.
Sendo que ainda estamos a meio da tempestade e a navegar num mar de incertezas.
Na verdade, sem a maior parte da população vacinada e a pandemia sob controlo, as previsões de recuperação económica continuarão a ser sucessivamente alteradas. Basta que surja uma “nova vaga” e uma nova necessidade de confinamento…
A propósito, a Comissão Europeia, em Novembro último, estimava que a economia do conjunto dos 27 Estados- membros da União iria crescer 4,1% em 2021. Três meses depois, esta previsão já estava a ser revista em baixa, estimando-se agora que o valor do crescimento do PIB dentro do território da UE não ultrapasse este ano os 3,8%!
2.
Fazendo um périplo pelos diversos Estados- membros da União Europeia, facilmente se conclui que a crise pandémica não “bateu” a todos da mesma maneira. Se o PIB da Alemanha sofreu uma queda em 2020 de 4,9%, o da Holanda de 3,8%, o da Dinamarca de 3,3%, o da Suécia de 3% e o da Polónia de 2,7%, a economia espanhola contraiu 11%, a Italiana 8,8%, a francesa 8,2%, e a Portuguesa 7,6%.
A capacidade individual de cada país da União responder a esta crise pandémica, exclusivamente com o seu próprio esforço, está longe de ser igual ou sequer parecida. Apesar de todos os esforços, o território da UE é ainda muito assimétrico. Não é por acaso que uma boa parte dos fundos europeus se destinam a promover a coesão.
Daí que, quando a presidente da Comissão Europeia invocava a necessidade de um “novo Plano Marshall” para combater a crise pandémica, sabia bem do que estava a falar. Por um lado, estava em causa a afirmação da solidariedade europeia, ideia/valor em que assenta a razão da existência da própria União. Por outro, a necessidade de dotar os Estados-membros de meios efectivos para responder não só aos danos provocados pela Covid-19,mas também ao desafio da recuperação económica.
A ideia veio a concretizar-se num “Plano de Recuperação para a Europa”, apresentado pela própria Comissão Europeia no final de Maio de 2020, e que mereceu depois de longas negociações, a aprovação do Conselho e do Parlamento Europeu.
Todavia, é importante que se note que este Plano de Recuperação Europeu, assente essencialmente num instrumento temporário no valor de 750 mil milhões de euros, denominado de “NextGenerationEU” e que o Primeiro- ministro António Costa baptizou de “bazuca”, é algo bem mais que um simples plano destinado a reparar os danos económicos e sociais provocados pela pandemia, pois para além de pretender impulsionar a recuperação dos países membros da União Europeia, ambiciona também lançar as bases para uma Europa mais moderna, mais sustentável, mais forte e mais competitiva.
Nas palavras do Plano, a Europa pós-pandemia deverá ser “mais ecológica, mais digital e mais resiliente”, apresentando-se “melhor preparada para os desafios actuais e futuros”.
Ou seja, este Plano é também uma oportunidade que a União encontrou para lançar uma nova agenda para a economia europeia, que se encontrava claramente a perder terreno, designadamente para as economias americana e chinesa.
3.
Os Estados-membros para aceder aos fundos disponibilizados pelo “NextGenerationEU” têm de apresentar à Comissão Europeia, até ao final do corrente mês de Abril, os seus próprios planos de recuperação e resiliência, os quais deverão estabelecer um pacote de projectos, reformas e investimentos, a implementar até 2026, em seis domínios de intervenção: transição ecológica, transformação digital, crescimento e emprego inteligentes, sustentáveis e inclusivos, coesão social e territorial, saúde e resiliência e políticas para a próxima geração, incluindo em matéria de educação e competências.
Este instrumento, recorde-se, tem uma dotação, só em subvenções, no valor de 312,5 mil milhões de euros, a distribuir pelos 27 Estados-membros da União.
Portugal, que em termos de “PIB anual” é apenas a 15ª economia da União Europeia, é um dos 8 maiores beneficiários dessas subvenções, com um valor na ordem dos 13,9 mil milhões de Euros, logo a seguir à Roménia (14,2 mil milhões), à Grécia (17,8 mil milhões), à Polónia (23,9 mil milhões), à Alemanha (25,6 mil milhões), à França (39,4 mil milhões), à Itália (68,9 mil milhões) e à Espanha (69,5 mil milhões).
Como alguém dizia, é de facto “muito dinheiro a fundo perdido”.
Segundo o INE, em 2019, o PIB per capita de Portugal, expresso em paridade de poder de compra, situou-se em 79,2% da média da UE. Entre os 19 países da Zona Euro, Portugal ocupou a 16ª posição, abaixo da Estónia (83,8%), da Lituânia (83,5%) e apenas à frente da Eslováquia, da Letónia e da Grécia. O Jornal Eco referia igualmente em 2019, que “ao ritmo actual, só em 2052 é que os salários em Portugal virão a igualar a média europeia”.
Esta é uma oportunidade única para Portugal se modernizar e se preparar de forma robusta para os desafios que aí vêm. Precisamos de uma economia mais forte, mais competitiva, capaz de acrescentar mais valor e de elevar a ambição e qualidade de vida dos portugueses.
Esta é uma oportunidade que não podemos falhar. Mais do que o presente, joga-se aqui muito do nosso futuro colectivo.
Paulo Ramalho
Vereador da Economia e das Relações Internacionais da Câmara Municipal da Maia
Artigo originalmente publicado no Semanário Vida Económica de 9 de abril de 2021, sendo aqui reproduzido com autorização do autor.